terça-feira, 15 de outubro de 2013

Sobre partidas

Quando a noite caiu fui perdendo o chão, o mundo inteiro me engoliu. Assim, num piscar de olhos. Fiquei pequena diante de todo o resto, chorei pro lado de dentro e alaguei a alma inteira. Calei a boca e toda dor agora chega aos ouvidos alheios em forma de uma gargalhada alta e desesperada. Finjo estar feliz e quase me convenço, escrevo essas linhas amargas e as palavras entalam na garganta, doe toda vez que engulo. O barulho da porta se fechando nunca me pareceu tão sonoro, minhas frases nunca fizeram tanto sentido. Chove muito pro lado daqui. Choro muito pro lado de dentro.

Isso nem chega a ser um texto, são frases soltas que resolvi juntar e transformar num grande parágrafo. Não é sobre o fim de um amor romântico, mas eu preferia que fosse. É sobre a fragmentação da família que antes era minha.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Efemeridades

Ou: A vida é isso, efêmera.
Ou, ainda: Não desperdice seu tempo.



Chega a ser assustador, apesar de natural, o modo como nos deparamos com a morte quando menos esperamos. E isso me faz atentar pro fato de perdermos tanto tempo com bobagens, briguinhas e orgulho, ignorando o fato de que o tempo não volta. O tempo escorre por nossos dedos, meus caros, feito um punhado de areia que insistentemente apertamos na tentativa, ineficaz, de prender em nossas mãos. Perdemos tempo com palavras rudes, gestos ásperos, olhares frios. Perdemos oportunidades de adocicar o verbo, de acalentar com palavras, curar com um toque, reconciliar com um olhar. Perdemos tanta coisa sem nos darmos conta de que amanhã pode ser tarde demais pra demonstrar amor pelas pessoas, tarde demais pra se arrepender, tarde demais pra recomeçar do zero, tarde demais.

Todos os dias o sol deixa de nascer pra alguém, parei pra pensar nisso. E talvez cada um tenha o seu próprio sol. Ou, ainda, cada um SEJA um sol particular. Todos os dias temos a chance de eternizar o sol de alguém porque, de verdade, carinhos não morrem. Os nossos gestos carregados de amor permanecem mesmo quando o sol de alguém se põe pra sempre, viram lembranças e um calorzinho bom no peito, que é pra afastar a saudade sofrida demais.

Com saudade, ao Seu Carneiro.
O melhor avô do mundo. 
Já foram cinco anos, meu velho, mas teu carinho ainda aquece.
Com carinho, também, aos amigos que perdi cedo demais. 
Saudades incontáveis.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Figurinha premiada

Cena do filme Submarine 
Outro dia escutei a conversa de dois meninos numa mercearia aqui perto, eles falavam sobre figurinhas e álbuns e todas essas coisas que os meninos na idade deles costumam adorar. Esbocei um sorriso ao observar toda a empolgação dos dois diante de cada pacotinho de figuras que abriam e das gargalhadas que deram ao achar uma figura difícil de ser encontrada, segundo escutei. Paguei as minhas compras e vim pra casa tentando entender o motivo daquilo ter me chamado tanta atenção.

A vida, numa comparação meio sem jeito, pode ser um álbum de figurinhas feito aqueles que eu vi nas mãos dos meninos. Vamos compondo nossos dias com as figuras que retiramos de cada pacotinho que, cuidadosamente ou não, abrimos. Essas figurinhas vão completando nosso álbum, feito um quebra-cabeça, cada peça com sua importância e particularidade. E quando falo em figurinhas, agora faço alusão às pessoas que passam por nós, ou permanecem em nós e nos preenchem, completam o álbum, sabe? Tem gente que aparece pra trazer acalanto, calmaria, riso; tem gente que aparece, mas não cria raiz; tem gente que não sabe se vai ou se fica; tem gente que a gente nem sabe se quer que apareça; tem gente que vai embora e deixa saudade; tem gente que só passa pela gente; tem gente que marca a gente a vida inteira; tem gente que machuca, arranha, envenena o jardim; tem gente que a gente faz questão de lembrar e tem gente que a gente faz questão de esquecer. 

Tenho certeza que aqueles não eram os primeiros pacotinhos de figuras que aqueles meninos compraram, e também tenho certeza, ou quase, do quanto eles esperaram por aquela figurinha premiada que fez os olhinhos brilharem. Depois de muitos pacotes abertos, finalmente ela havia chegado. Aquilo era uma benção, uma dádiva, uma honra, por que não? Ter uma figurinha premiada não é pra qualquer garoto não, é pros que tem sorte e paciência de abrir todos os pacotinhos, um por um, sem perder a esperança de finalmente tê-la em mãos. E nem é pelo prazer de mostrá-la pra todo mundo, pelo contrário, é pelo prazer de saber que poucas pessoas a terão e de que ela, provavelmente, será única pra você. Quem tem a figurinha premiada geralmente guarda, feito um tesouro, feito um presente que, de tão delicado e especial, precisa ser protegido da poeira, dos roedores, do vento, da água e dos olhares alheios.

Acho que, no fundo, todo mundo espera pela figurinha premiada. Aliás, no fundo não, é bem a flor da pele mesmo, com certa urgência, com um calorzinho no peito que quase passa, mas não passa nunca porque o dia demora. A figurinha premiada virá num pacote qualquer, mas prenderá seus olhos mais do que qualquer outra, feito os olhos daqueles meninos. Tem gente por aí, já ouvi falar, que encontra a figurinha logo nos primeiros pacotinhos e que guardam com tanto cuidado que ela dura a vida todinha. Bonito, não é? E, se você perceber, já não falo mais de figurinhas nesse parágrafo. Falo de pessoas que se encontram, que se cuidam, que se gostam. Quem faz a "figurinha" ser premiada somos nós mesmos, nosso jeito de olhar as coisas e as pessoas, nossa sensibilidade, nosso coração aberto e limpinho, nosso desejo de fazê-la ser especial. Se você a tem, guarde, proteja, cuide, ame. Caso contrário, tenha paciência e comece a abrir os pacotinhos um a um.

Nunca mais vi aqueles dois garotinhos, mas espero que eles tenham cuidado da figurinha premiada que os vi encontrar naquele dia.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Sambinha de ir embora


Acabamos. Só depois de um mês sem ele eu me dei conta disso. Passei um bom tempo acreditando piamente que ele voltaria, claro, por que não? Ele dizia que me amava tanto, eu lembro, eu juro. Um amor assim não acaba, gente. Mas a gente acabou, constato. E é triste não sentir mais aquele frio na barriga quando eu o vejo, nem todo meu corpo arder e enjoar ao passar por perto. O fim do amor é ainda mais triste que o nosso fim, como diz a Tati Bernardi. Meu amor morreu sufocado dentro do peito, coitado. O rapaz não o quis, então eu resolvi que não tinha mais espaço pra ele em mim também. Ele cruzou a porta, e eu a deixei aberta esse tempo todo, sem medo. Mas fez muito frio, porcaria. Eu dizia: "Ei, tá entrando muito vento. Tá me ouvindo? Vem aqui. Volta aqui e fecha a porta. A janela abriu também, que merda. Tá frio. Tem alguém aí?". Nunca ouviu. Nunca veio. Foi aí que eu levantei e tratei de fechar tudo. Eu, do lado de dentro. Ele, do lado de fora. É assim que tem que ser. Tô sentada no sofá da sala, já perdi as contas de quantos dias se passaram, tomando um chá pra tentar me curar. No começo achei ser gripe, mas agora desconfio que seja uma espécie de saudade mergulhada em solidão. Alguém bateu na porta, alguém do sorriso bonito, mas não é o dele. Não é ele. Por mim tudo bem, aceito companhia se trouxer um pouco de açúcar. Pro chá e pra vida.